Empolácea, uma senhora de provecta idade e cabeça aprumada, faz choché e enfeita versos nos entremeios.
quarta-feira, 18 de agosto de 2010
bexiga
Empolácea, uma senhora de provecta idade e cabeça aprumada, faz choché e enfeita versos nos entremeios.
quinta-feira, 12 de agosto de 2010
na ilha do Adan
Egotismo, filho do deus Ego e da semi-deusa Egolatria, era um jovem prodígio entre os habitantes da deslumbrante ilha do Adan. munido de oratória, Egotismo passeava a arte da sua astuta língua entre as formosas ninfas da ilha. a única mancha na divindade de Ego era o pormenor de respirar pelo umbigo, devido a uma pequena distracção do deus Ego, o seu pai, no momento em que procedia à incisão sobre o cordão umbilical. foi demasiado profundo, nem os deuses são perfeitos.
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terça-feira, 10 de agosto de 2010
cri. cri. cri.
cri. cri. cri.
trina o grilo
com afinco.
[a descrença é um oceano
vagas as memórias gloriosas
de uma pátria outrora.]
cri. cri. cri.
trina o grilo
com afinco.
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quinta-feira, 5 de agosto de 2010
congresso de geologia da palavra - os princípios
[Princípio da Sobreposição das Camadas]
.dispor palavra a palavra e respectiva demão de engodo.
[Princípio da Horizontalidade Original]
.indispensável deitar a palavra com saber de erudito.
[Princípio das Relações de Corte]
.requer a palavra apurada incisão a fim de sangrar.
[Princípio dos Fragmentos Inclusos]
.analisar o estado de antiguidade do trecho literário.
[Princípio da Sucessão Faunística]
.há palavras-fóssil, é devido um cortês tratamento.
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quarta-feira, 4 de agosto de 2010
às quartas feiras virava os truces do avesso.
às quartas-feiras trabalhava apenas até à hora de almoço. comia os restos da sopa do jantar de terça-feira, acompanhada de um naco de broa de milho caseira, e dormia a sesta até às três em ponto. vestia uns truces do avesso, amuleto da sorte usado desde que vestira uns truces do avesso e chegara atrasado ao autocarro que viria a despenhar-se num precipício e não sobrevivera passageiro algum, e rumava até à tasca do zé descalço a fim de investir uns trocos na lerpa. assim que passava a porta de entrada era presenteado com o peculiar aroma saído dos pés do zé, afamado atributo entre as tascas da região. cumprimentava o zé, que lhe servia um bagaço duplo, e tomava o seu lugar à mesa. saía sempre de bolsos vazios, mas voltava todas as quartas-feiras à tarde com os truces virados do avesso.
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terça-feira, 3 de agosto de 2010
a nódoa moral
uma puta estrebucha na berma da estrada. dos lábios esparrinham-lhe salpicos vermelhos de sangue e na pálida carne das coxas há manchas pegajosas de esperma a escorrer. um carro passa abranda e acelera, outro carro passa abranda e acelera.
uma puta sufoca na berma da estrada à respiração boca a boca com os tubos de escape e numa casa não muito distante, os três filhos da puta enchem de lágrimas os pratos vazios sobre a mesa.
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domingo, 1 de agosto de 2010
o capitão só
era o capitão só de uma ilha a saque. perdera todos os homens em batalha, a enrolar tabaco à sombra de uma palmeira. colhia agora o fruto das nativas virgens, ao abrigo do usufruto, o capitão só de uma ilha a saque.
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sexta-feira, 30 de julho de 2010
ao antónio
o bicho acabou por levar-te, antónio. esse cabrão de riso cínico à espera numa qualquer estação de um novo corpo de um novo órgão para se instalar. sabes, antónio, quantas vezes vi esse filho da puta a apagar sorrisos a amputar a esperança de olhares ainda inocentes. mas tu venceste-o durante dois anos, antónio. lembro-me do nuno a chamar-te ao palco e a entregar-te o prémio em lágrimas, esse palco onde sempre deste a vida aos outros. e continuarás a dá-la.
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quinta-feira, 29 de julho de 2010
às quintas-feiras saía à rua sem cabeça
era quinta-feira, e como nas demais quintas-feiras, retirava a cabeça de cima dos ombros e pendurava-a num dos cabides do vestíbulo, mesmo ao lado do cabide onde pendia o chapéu. saía para a rua sem a cabeça e por onde passava ouvia dizer lá vai o homem que perdeu a cabeça. e ele tirava o chapéu e acenava com a cabeça a sorrir e continuava a jornada sem a cabeça.
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terça-feira, 27 de julho de 2010
às terças-feiras jejuava
todas as terças-feiras jejuava. fazia-o desde que fora atingido a uma terça-feira por um raio, enquanto assaltava o pomar de laranjas de um convento. comia um pão sem sal pela manhã e um copo meio de água antes de sair para o emprego. na pausa para o café apenas dava uma passa na beata de segunda-feira e guardava na algibeira a queca com a secretária para a quarta-feira. durante o almoço descascava laranjas a título voluntário no seminário e ao final da tarde instalava pára-raios nas torres dos edifícios. à noite bebia a outra metade de água no copo e adormecia nu sobre o chão de mármore da cozinha.
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o enterro
o homem vestiu o fato preto, deu o nó ao pescoço na gravata de seda italiana preta e saiu de luto na direcção do seu próprio funeral. durante as exéquias não conteve as lágrimas no momento em que o padre dirigiu um rol infinito de elogios ao morto, que era ele próprio ali deitado no caixão de madeira do brasil preta. mas o momento da sua própria cerimónia fúnebre que realmente lhe destroçou o peito foi ver todas as mulheres que amara em vida, juntas e em uníssono, a enterrarem-no sob a terra fria. e ele que lhes havia dado tanto calor.
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